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Volkswagen é condenada a pagar R$ 165 milhões por trabalho escravo em fazenda

A Volkswagen foi multada por trabalhos escravos

Por: Profº Nicanor Fonte: Agrocampo.ig
29/08/2025 às 22h17 Atualizada em 31/08/2025 às 22h37
Volkswagen é condenada a pagar R$ 165 milhões por trabalho escravo em fazenda
reprodução

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região condenou a Volkswagen a pagar R$ 165 milhões em indenizações. A decisão se baseia em evidências de trabalho análogo à escravidão na fazenda que a montadora mantinha no sul do Pará. As práticas criminosas ocorreram entre 1974 e 1986.

A propriedade, conhecida como Fazenda Vale do Rio Cristalino, ficava localizada em Santana do Araguaia (PA). A área de 139 mil hectares pertencia a uma subsidiária da Volkswagen. Ali, trabalhadores enfrentavam condições desumanas de trabalho e vida.

Investigação começou com denúncias do padre Ricardo Rezende

 

O Ministério Público do Trabalho iniciou as investigações em 2019. O processo se baseou em documentos e testemunhos reunidos pelo padre Ricardo Rezende Figueira. O religioso coordena o Grupo de Pesquisa de Trabalho Escravo Contemporâneo da UFRJ.

 

O padre fez as primeiras denúncias contra a montadora em 1983. Ele atuava como coordenador da Comissão Pastoral da Terra da CNBB na região. Durante décadas, Rezende Figueira coletou mais de 600 páginas de documentos sobre as condições de trabalho na fazenda.

“Recebi a primeira denúncia contra a Volkswagen em 1982”, relembra o religioso. “Novas acusações surgiram no ano seguinte, quando três trabalhadores conseguiram escapar da fazenda e relataram as coisas horríveis que lá aconteciam.”

 

Fazenda Vale do Rio Cristalino: cenário de crimes contra trabalhadores

 

A Fazenda Vale do Rio Cristalino funcionava como um verdadeiro campo de concentração. Os documentos revelam práticas criminosas que incluíam:

  • Impedimento de saída por vigilância armada
  • Trabalho sem remuneração adequada
  • Criação de dívidas impagáveis para custear moradia e alimentação
  • Acomodações insalubres
  • Torturas e espancamentos sistemáticos
  • Estupros e assassinatos

Os trabalhadores eram recrutados especificamente para derrubar a mata nativa. A Volkswagen promovia desmatamento irregular na propriedade sem autorizações ambientais. O objetivo era criar pastagens para gado.

 

 

Testemunhas relatam horror na “Fazenda Volkswagen”

Três jovens trabalhadores conseguiram fugir da propriedade em 1983. Eles procuraram o padre Rezende Figueira e relataram as atrocidades presenciadas. Os homens permaneceram apenas um mês no local.

“Logo na primeira noite já começaram a se apavorar”, conta o religioso. “Eles presenciaram fiscais armados espancando um ‘peão’ que tentou fugir. Outro trabalhador foi amarrado nu em uma árvore no meio da floresta e também sofreu agressões. A mulher dessa pessoa teria sido estuprada.”

Os fugitivos também relataram assassinatos na fazenda. Os corpos das vítimas eram jogados no Rio Cristalino, dentro da propriedade. Aproximadamente 15 pessoas que trabalharam na fazenda prestaram depoimentos sobre as condições análogas à escravidão.

Denúncias chegam ao Congresso e à imprensa internacional

Em julho de 1983, o padre levou uma das testemunhas para Brasília. Ele convocou uma coletiva de imprensa e apresentou as denúncias publicamente. O caso teve pouca repercussão no Brasil, mas ganhou destaque internacional.

A história chegou aos funcionários da Volkswagen em São Bernardo do Campo. A empresa então convidou Expedito Soares para visitar a fazenda. O ex-operário da fábrica do ABC era deputado estadual pelo PT na época.

Soares aceitou o convite sob condições específicas. Dois parlamentares de outros partidos e sindicalistas o acompanharam na visita. O grupo chegou à propriedade junto com a direção da VW.

Trabalhadores escondidos durante visita parlamentar

Os parlamentares solicitaram a presença do padre Figueira durante a visita. Um carro da Volkswagen foi buscá-lo a cerca de 80 km de distância. No trajeto, encontraram um “gato” – empreiteiro responsável por “fiscalizar” os trabalhadores.

“Eu não presenciei a cena, porém me contaram que esse ‘gato’ estava com um fugitivo amarrado na caçamba de uma picape”, relata o religioso.

Quando chegaram à fazenda, não havia funcionários visíveis. Apenas um trabalhador aparentava estar doente. Ele disse ter sido impedido de sair por estar devendo dinheiro à administração.

“Acredito que os trabalhadores foram escondidos dentro da mata”, explica o padre. “A fazenda tinha até clube e um hotel de luxo, tudo bancado com a ajuda de dinheiro público. Os ‘peões’ ficavam em casas de madeira.”

Jornal documenta a visita e negativas da empresa

O jornal “Estadão” acompanhou a visita parlamentar. A publicação lançou reportagem sobre o caso em julho de 1983. Na matéria, a Volkswagen negava novamente o envolvimento com trabalho escravo.

O governo do Pará abriu inquérito policial na época. A investigação não resultou em condenações ou medidas efetivas. A impunidade prevaleceu durante décadas.

O livro “A Escravidão na Amazônia” documenta esses casos.

A obra foi lançada em dezembro passado pela Editora Mauad. Os autores são Ricardo Rezende Figueira, Adonia Antunes Prado e Rafael Franca Palmeira. O livro inclui relatos de aproximadamente 15 pessoas que trabalharam na “Fazenda Volkswagen”.

A Companhia Vale do Rio Cristalino, conhecida também como Fazenda Volkswagen, localizada no sul do Pará, foi comprada em 1974 em um consórcio com o governo militar, que concedeu vultosos incentivos fiscais e empréstimos através da Sudam para incentivar a criação extensiva de gado bovino na Amazônia.

Outras empresas também instalaram empreendimentos na Amazônia na mesma época. Muitas utilizaram práticas similares de exploração de trabalhadores.

A fazenda possuía cerca de 139 mil hectares, quase o tamanho do município de São Paulo, e foi palco de uma das maiores operações de desmatamento da época.

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